Afrodisiacos naturais
Sexo com pessoas do mesmo sexo
A nova geração vê as experiências eróticas como algo menos delimitado. Sem culpa, se entrega a relações com alguém do mesmo sexo, podendo depois voltar ao universo hétero.
Pode parecer moderninho demais, um comportamento de gueto, algo distante da nossa realidade. Nem tanto assim. Se você perguntar a amigos na faixa dos 20 aos 35 anos sobre relações eróticas entre iguais vai notar que homens e mulheres estão transitando mais livremente entre os sexos. Haverá quem diga que nunca manteve relação homossexual, mas já pensou em experimentar. Outros admitirão que trocaram carícias intensas com alguém do mesmo sexo sem que isso significasse uma mudança na orientação sexual. Estamos falando de adultos que, sem culpa ou juízo de valores, se permitem fazer o teste e repetir a dose. São bissexuais? Não necessariamente, dizem os especialistas. A bissexualidade estaria ganhando novas faces? Essas e outras perguntas aguçam o debate e ajudam a entender que há uma tendência se consolidando. "Como hoje não é mais um bicho de sete cabeças se declarar homossexual, a sociedade está mais tolerante e as pessoas se permitem conhecer o desconhecido, o que é saudável", diz a educadora sexual Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan de Sexualidade.
A naturalidade é maior para falar no assunto e também na busca do par. A mulher se dispõe mais do que o homem à nova experiência. Faz isso sem alarde, porque não precisa se autoafirmar como os adolescentes que se engalfinham no shopping, garotos com garotos. Mas por que elas querem ter prazer em companhia feminina? Solidão? Há menos homens disponíveis? Eles estariam tão acuados, por questões sociais e emocionais, a ponto de ter a masculinidade balançada, e com pouco apetite? Nada disso. "Uma pessoa não deseja outra do mesmo sexo só por estar carente ou desiludida com o oposto. A descoberta surge com a oportunidade e advém da maturidade", diz Maria Helena. A explicação para a investida nessa sea ra está ligada, segundo ela, à queda do pre conceito. Quando ele diminui ou sai da jogada, rompem-se barreiras internas. Tudo fica mais fácil; a aceitação é maior. Uma mulher que revela desejo a outra já não espera ser julgada, mesmo que não seja correspondida.
"Mulheres têm um histórico de companheirismo e carinho, o que contribui para que essas relações aconteçam", afirma o sexólogo e apresentador de TV Jairo Bouer. Amigas viajam juntas, divertem-se, trocam confidências, associam-se na compra de bens duráveis e às vezes dividem o namorado. No meio de tanta par ceria, po dem descobrir que se completam num patamar além do convencional. "É algo normal, sempre existiu. O que mu dou foi a coragem da sociedade para encarar o tema e se arriscar", diz o psiquiatra Alexandre Saadeh, profes sor da PUC de São Paulo. Ele lembra que, quando existiam colégios internos só de meninos ou de meninas, era comum a iniciação com alguém do mesmo sexo. De pois, nunca mais tocavam no assunto, um motivo de vergonha. "Hoje, a experimentação ocorre mais tarde."
Nada é para sempre
Outra marca dessa escolha contemporânea: ela pode se repetir, mas tende a não perdurar. De novo, a mulher se adapta melhor ao quesito, vai e volta à condição anterior de hétero, casa, tem filhos. A atriz Angelina Jolie causou furor ao admitir o namoro com garotas, entre elas Jenny Shimizu, com quem fez o filme Rebeldes, em 1996. Anos depois conheceu o ator Brad Pitt, pai de seus seis filhos. Atualmente, declara-se fiel ao marido. Mesmo caminho de Megan Fox, que se casou em 2010 com o ator Brian Green. Antes, a estrela de Transformers havia revelado sua paixão por uma stripper.
Esses arranjos refletem mais um sintoma da nossa cultura: a fluidez. As fronteiras estão intercambiáveis; não há limites estanques no comportamento sexual. "Aquela história de ter só três possibilidades - ser hétero, gay ou bi - não dá mais conta da diversidade que vivemos", explica Bouer. Para ele, nossa sexualidade é uma reta com vários pontos, cheia de nuanças a serem exploradas. "Tenho visto relações de vários tipos, incluindo casais de três pessoas." Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, diz que a necessidade de identificar e juntar pessoas em grupos é mais política do que prática. "Como ainda engatinhamos na luta por direitos e por políticas públicas, é bom ter grupos organizados e bandeiras visíveis. Um dia deixaremos esses rótulos de lado para nos declararmos simplesmente sexuais", diz.
A ciência não explica exatamente de onde vem o desejo. "Há hipóteses de que, independentemente do objeto cobiçado, ele tenha raízes psicoemocionais ou genéticas", diz Maria Helena. "O que sabemos é que há forte impacto cultural sobre ele. Às vezes desejamos o que aprendemos a admirar." Assim, não seria difícil explicar o envolvimento de duas mulheres ou de dois homens que se respeitam e valorizam as qualidades do par.
Bissexuais em potencial
Sigmund Freud acreditava que todos nascem potencialmente bissexuais. No livro Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, de 1905, ele escreve que homens e mulheres são moldados pela sociedade para gostar de uma ou outra coisa. O catolicismo teve um peso nisso, associando sexo ao pecado. Na Era Vitoriana, a relação entre iguais virou tabu. "Qualquer ato sexual que fugisse à finalidade de constituir família passou a ser visto como doentio", lembra Saadeh. "A mudança radical veio nos anos 1970, e repercutiu antes na Europa", diz Bouer. "No Brasil, a flexibilização vem ocorrendo nos últimos 20 anos." A internet é apontada como um facilitador. "Um homem entra num chat. Outro propõe sexo e ele, que nunca tinha pensado no assunto, começa a considerar", lembra Bouer. Há comunidades online e redes sociais para aproximar pessoas do mesmo sexo. O site homo Leskut anuncia em sua apresentação: "Indecisas ou curiosas são bem-vindas". O importante é saber que ninguém é obrigado a se submeter, sob pressão, à experiência. "Dar liberdade a si não significa atropelar os próprios limites", diz Maria Helena. "Fazer o que não que re mos traz resultados ruins. Antes, é necessário prestar atenção aos desejos e sentimentos. Não somos obrigadas a testar de tudo para sermos felizes."
Depoimentos
"Já me relacionei com mulheres, mas não me considero lésbica nem bi. É pelos homens que me apaixono, choro, sofro, escrevo cartas de amor. Com elas é só desejo; não conseguiria levar uma convivência adiante. Conheci todas na internet. No Twitter, falo sobre sexo a 28 mil seguidores. Estou de mudança para Copenhague. Vou morar com meu namorado, um dinamarquês que me entende. Meus planos são me casar com ele e ter filhos daqui a 4 anos. Não sei se vou querer mulheres e não me preocupo com isso. Aprendi que o desejo é passageiro."
ALINE GOMES, 24 ANOS, PUBLICITÁRIA, DE SÃO PAULO (SP)
"Depois de 8 anos de casada, minha vida sexual caiu no tédio. Propus ao meu marido uma relação a três. Ele não topou, mas admitiu que eu saísse com outras pessoas. Fiquei com uma garota que conheci numa balada. Mulheres são mais criativas, não têm aquela pressa de tirar a roupa e penetrar. Sabemos quais carinhos dão mais prazer, a anatomia é a mesma. Como tenho amigos homossexuais, encarei com naturalidade. Não repeti a experiência porque meu marido acabou ficando magoado e sou fiel a ele. Mas tenho certeza de que a beleza do amor vai muito além dos gêneros. Eu poderia me apaixonar tanto por homens quanto por mulheres."
CAMILA FERNANDES, 30 ANOS, ILUSTRADORA, DE SÃO PAULO (SP)
"Eu me casei aos 18 anos e me separei grávida do segundo filho, aos 22. Meu exmarido dizia que queria outra mulher na cama, mas nunca tive coragem. Depois de 3 anos solteira, decidi ter uma relação com minha melhor amiga e um homem que conhecemos numa festa. A experiência foi ruim. Pouco depois, fizemos novamente, só as duas. Nossa amizade continua firme e forte. Sei que vamos ficar velhinhas lembrando daquele momento. Sinto atração por homens, mas não descarto a possibilidade de me apaixonar por uma mulher. Não vejo nada de errado nisso."
KELLY ASSIS, 27 ANOS, AUXILIAR ADMINISTRATIVA, DE UBERLÂNDIA (MG)